Opa! Já não era sem tempo!! Acho que é sempre saudável mudarmos um
pouco a conversa e darmos uma pequena pausa para falarmos sobre outros
assuntos, não acham? Neste nosso breve intervalo falaremos de um assunto que tem
estado em moda nos últimos dias, o programa “Mais Médicos” do governo federal.
Acredito que ninguém é ingênuo o suficiente para acreditar que este programa,
por si só, será capaz de resolver o problema da saúde pública no nosso país,
porém, é necessário começar por algum lugar, fazer alguma coisa pelos mais
carentes, por aqueles que não podem pagar o serviço médico privado. Pensando
nisso, sugiro a leitura do texto abaixo, escrito por Luciano Martins, do
Observatório da Imprensa. Para quem não conhece, o Observatório da Imprensa
tenta fazer uma análise sobre a forma como os principais meios de comunicação
abordam os temas relevantes do Brasil. Cada um pode fazer o julgamento que
quiser. Particularmente, eu concordo com o que ele escreveu...
“O
programa Mais Médicos não sai do noticiário. Não por seus méritos ou pelo
potencial de reduzir as diferenças na oferta de serviços de saúde no Brasil,
mas pela exposição exagerada dos problemas na sua implantação.
Como
toda ação de política pública, a iniciativa deveria ser avaliada pelo que faz e
pelo que deixa de fazer. Para isso, o pressuposto da imprensa precisa ser
baseado nos efeitos obtidos em prazo razoável, com os resultados
contextualizados em relação às carências que o programa se propõe a atacar. No
entanto, toda ênfase tem sido dada a ausências e atrasos na posse dos
profissionais inscritos.
O
que se vê diariamente, desde o anúncio do projeto, é um grande desequilíbrio
nas escolhas dos editores, com a predominância de dados e informações negativas
sobre o preenchimento das vagas abertas. Na quarta-feira (4/9), ao se deparar
com o principal título da Folha de S.
Paulo sobre o assunto – “Médicos questionam infraestrutura e exigências
e abandonam programa” –, o leitor é levado a acreditar que ocorre uma debandada
de profissionais. Mas a Folha
não diz quantos médicos desistiram nos primeiros dias, qual a porcentagem deles
em relação ao total de profissionais que aderiram, e outros detalhes que
poderiam justificar o título.
Outra
reportagem no mesmo jornal informa que os lugares para onde deverão ser
enviados os médicos cubanos formam o pior cenário na geografia desigual do
desenvolvimento humano no Brasil. Não seria por outra razão que o programa
destinaria os profissionais cubanos para esses municípios, que, segundo a Folha, apresentam indicadores
socioeconômicos inferiores aos da média nacional de treze anos atrás: ao
contrário da maioria dos médicos brasileiros, os cubanos estão habituados a
atuar em condições precárias, em países assolados por desastres ambientais e
crises humanitárias.
Os
médicos brasileiros, na maioria oriundos das camadas de renda mais alta da
população, não se destacam pelo espírito de sacrifício. Na organização Médicos
sem Fronteiras, por exemplo, o total de profissionais do Brasil em 2011 não
passava de uma centena.
Os
médicos cubanos, que são formados para a medicina preventiva e o atendimento
básico, e educados para atuar em situações de extremo desconforto, formam o
maior contingente do mundo de profissionais de saúde em ações humanitárias: são
dezenas de milhares trabalhando nas mais severas e inseguras circunstâncias
imagináveis.Suspeita de boicote
Por essa razão, as escolhas dos editores dos principais jornais, ao destacar as ausências, desistências e reclamações dos primeiros profissionais brasileiros a ocupar os postos para os quais foram escalados, expõem de maneira escandalosa essa diferença entre eles e o perfil característico dos estrangeiros.
Veja-se, por exemplo, o caso de um cardiologista brasileiro entrevistado pelo Estado de S.Paulo: o especialista se inscreveu “sem notar” que o programa era destinado a clínicos gerais, foi destacado para a cidade de Santa Bárbara d’Oeste, no interior paulista, e saiu no primeiro dia, alegando que “falta tudo no sistema público”.
Observe-se que o doutor tem um consultório particular em Ribeirão Preto e atende também em Salvador, Bahia, por meio de convênio. Ele considera o salário do Mais Médicos, de R$ 10 mil reais por mês, “uma miséria”.
Não foi destacado para trabalhar numa favela ou numa aldeia da Amazônia, mas em Santa Bárbara, a apenas 138 km de São Paulo, cidade que foi colonizada por imigrantes dos Estados Unidos, tem um alto Índice de Desenvolvimento Humano e taxas reduzidas de violência.
O cardiologista jura que não se inscreveu para boicotar o programa. Apenas não leu direito as instruções.
Então, tá.
Na falta de números que autorizem a afirmar que o projeto é um fracasso, os jornais capricham nos títulos de dupla interpretação. Sem dados comparativos, o Estado de S.Paulo afirma: “Desistências continuam em diversos estados”. Na ausência de informações consistentes no texto interno, predomina a intenção do título, que é a de induzir no leitor a ideia de que o programa não se consolida.
O Globo, que aprecia trocadilhos e gracejos, aplica um título de gosto duvidoso usando o nome do programa: “Mais Médicos que faltam ao trabalho”.
Na contramão do senso comum, que colocou na pauta das manifestações de junho a emergência de ações na saúde pública, a imprensa dá a entender que torce contra o sucesso do plano. Insiste que o projeto foi feito atabalhoadamente, quando registros dos próprios jornais informam sobre reuniões de planejamento ocorridas anos atrás, inclusive com a participação de entidades dos profissionais de saúde.
O resultado pode ser um tiro pela culatra, com o efeito colateral de provocar maiores danos na imagem dos médicos brasileiros, que nas redes sociais ganharam um apelido tão genérico quanto injusto: são chamados de “coxinhas”, aqueles seres mimados que não toleram uma contrariedade."
Nenhum comentário:
Postar um comentário